A Lightpainting em prol da memória.

No asilo, com uma lanterna na mão, uma ideia na cabeça e um dedo de prosa.

A fase final da vida, aquela cheia de interpretações acinzentadas, costuma passar longe da esperança, da alegria e do amor. Uma geração de “pais órfãos de filhos”, que não inclui uma conversa agradável e exclui a “presença a troco de nada, só pra ficar junto”, dificulta o compartilhamento de valores e interesses, que resulta na afirmação das individualidades e na vida familiar focada nos mais jovens.

Vida líquida, como diz Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, instalou-se como um sentimento de abandono e desespero entre os idosos, enquanto os filhos e netos trafegam em redes sociais em alta velocidade, tudo muito veloz, tudo momentâneo e finito, repleto de incertezas. Uma rotina onde estar entretidos nos seus jornais, revistas, tablets ou celulares, é sinal de investimento no tempo útil, entendendo como tempo útil, aquele dirigido às redes sociais. Inclusive porque o próprio lazer é executado com horário marcado e espaço determinado.

Enquanto isso, para os mais velhos o relógio gira mais lento, à medida que eles mesmos se percebem passando pela existência, quando o tempo de gozo da vida é limitado. A prioridade da “falta de tempo” é como se fosse um punhal diário quando a pessoa idosa está sujeita ao pânico de um dia não ter com quem contar.

Enquanto os adultos têm que estar a par de tudo “just in time”, os mais velhos querem se livrar do excesso de conhecimento, manter as mentes em repouso e abertas a novas vivências. Focados naquilo que realmente faz bem, pois tiveram tempo para que as escolhas se tornassem mais seletivas. Enquanto os adultos têm necessidade de dizer e contar, idosos apreciam prosear, recordar e alimentar a nostalgia com prosa poética e contemplativa no seu dia a dia.

Dessa forma, as oficinas de arte-terapia com lightpainting para idosos no asilo, buscam estimular a coragem de se arriscar em algo novo, onde o medo e a curiosidade antecedem a escolha entre ficar no anonimato ou ir para o escuro pintar algo invisível. O primeiro passo é fazer com que abandone as certezas, junto com elas os traumas por ter falhado em algo na vida.

Como dizia Raul Seixas:

“Quando o passado morreu e você não enterrou, ficam ciúmes preconceitos de amor, e quando se faz tudo mesmo sem querer, aprende-se pelo sofrimento, dor e medo. Nossa cabeça só pensa aquilo que ela aprendeu, então tente não confiar nela, seguir a voz do coração e abandonar as certezas, é só uma questão de tentar, pois alguma coisa nova pode acontecer.”

Na ausência do medo somos livres. A incerteza é uma porta que ninguém quer abrir com medo do que há do outro lado, mas os que têm coragem de ver o que há atrás da porta rompem barreiras mentais, que até então eram algemas criadas por traumas tão antigos, que com o tempo se enferrujam e se quebram facilmente.

Ao se desafiar e encarar a incerteza, uma pequena mudança de comportamento pode se tornar uma avalanche de auto-estima, que desce a colina do medo quebrando todos os preconceitos e limpando o terreno. O que nasce nesse local é a sensação de conforto interno, de alegria e auto-confiança.

E quando duas sinapses disparam juntas, permanecem juntas. Sempre que se sentir confiante, terá alegria. Sempre que se deparar com a incerteza, terá coragem para a abrir a porta, sem medo, anulando a auto sabotagem, pois o processo mental de pintar com luz é invisível e consciente, só se vê o resultado no final da ação. Assim, a imagem resultante da movimentação da luz no espaço, alimenta a memória de curto prazo.

É preciso incitar o desejo pela memória, pois o desejo é a expressão consciente da necessidade e o motor da conduta, que é ditada pelo desejo, e não pela necessidade.

No processo, o escuro gera inconscientemente o medo da incerteza, enquanto a luz propicia a segurança através da visão. Porém, pintar com luz não depende exclusivamente da visão, é fruto do consciente visual, assim, a pintura com luz á capaz de associar em uma só ação, a segurança em conduzir a luz, buscando mentalmente a referência da imagem, fazendo com que se estabeleça uma relação harmônica com o escuro, substituindo o medo por alegria.

A alegria, que deveria ser inerente ao ser humano, é encoberta pelo peso da idade e a passagem do tempo, tem na lightpainting um gatilho que devolve o desejo pela diversão e vínculos sociais. E sendo a felicidade um estado imaginário, é possível estabelecer uma relação entre o bem-estar social, pessoal e espiritual, em uma só atividade.

 

Estudo realizado em parceria com o “PROJETO Memórias de Uma Vida”, psicopedagoga Thainá Moreira,  com apoio do Asilo São Vicente de Paulo, em Poços de Caldas/MG.

Com apoio da equipe:
Laura Bueno - Assistente social
Michele Costa - Psicóloga
Bruno Oliveira - Estagiário
Larissa Lórien Bueno
Jordana L. Lourenço
Rodrigo Augusto

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